A cidade dos mortos – A vida para além da morte
A visita a esta “cidade” foi feita antes do documentário de Tréfaut, lançado em 2010, e ainda não havia muito conhecimento desta situação no ocidente.
O crescimento demográfico do Egipto tem sido muito superior aos seus países vizinhos, quase insustentável.
A diminuição da taxa de mortalidade infantil e o aumento da esperança média de vida, é a explicação para este acontecimento.
Só no Cairo estima-se que tenha cerca de 9,5 milhões de habitantes, enquanto que na região metropolitana, cerca de 25 milhões, o que faz dela a 13º cidade mais povoada do mundo e a com maior n.º de habitantes de África.
Tínhamos ouvido falar de um cemitério onde viviam pessoas, ficamos bem curiosos, numa cultural ocidental temos alguma dificuldade em lidar com a morte, quanto mais viver num cemitério.
Para entender aquilo melhor, falamos com o taxista e lá fomos.
No caminho foi-nos contando que a “cidade dos mortos” é uma cidade dentro de outra cidade.
Quando se deu o êxodo rural, os migrantes, foram ocupando este espaço (desde há um século) e tornou-se um enorme “bairro de lata”, onde agora estima-se que habitam entre 1 e 2 milhões de habitantes.
Esta população (quase todos trabalhadores agrícolas) chegava à cidade sem nada, muito pobre e com a esperança de encontrar uma vida melhor, assim ocupavam ilegalmente este espaço.
O povo do Cairo chama-lhe Al-Arafa (cemitério) e é a maior necrópole do mundo (tem cerca de 10 km).
Antigamente as pessoas mais endinheiradas, construíam um género de casas (quadrangulares) com o Mausoléu lá dentro e que a família e amigos ficavam lá, pernoitavam, durante quarenta dias, que era o tempo de luto.
É esse espaço que começou por ser ocupado e onde as pessoas vivem.
Efetivamente continua a ser um cemitério ativo, todos os dias se enterram lá pessoas.
Aquele cemitério — cidade é quase autossustentável ao nível dos serviços, existem cafés, padarias, mecânicos, artesãos, lojas e até escolas e mesquita.
A nossa curiosidade ia-se aguçando.
Finalmente tínhamos chegado, parecia uma aldeia, muito pobre e sobrepovoada, o chão em terra batida, sem agua ou esgotos.
Percebemos que era uma comunidade que tinham a cumplicidade de quem muito passou e passa.
O nosso taxista “guia”, disse para esperarmos no carro que ia tentar conseguir que víssemos uma casa por dentro.
Fiquei a observar, do lado de fora, pareciam apenas casas de alvenaria, que estavam por rebocar, as pessoas e meninos que brincavam na rua muito empoeirados, pudera, pensei eu, chão de terra batida e sem agua. Mas não parecia um cemitério…
Fez-nos sinal de longe, já podíamos ir, a espreitar estava uma jovem senhora.
Pedimos licença para entrar na sua casa, muito simpaticamente se disponibilizou por mostrar os espaços, sorria a falava em árabe (o taxista traduzia).
Aquela população é muito pobre, as casas consistem apenas num quarto comum (para toda a família), colchões no chão e uma mesinha de madeira ao canto, fez também questão de nos mostrar o “quintal”, que um espaço de terra batida com vários túmulos, entre eles estava esticada uma corda onde penduravam a roupa.
Não havia casa de banho, nem cozinha, naturalmente, pois não existe saneamento básico ou rede de esgotos, claro, porque é um cemitério.
À saída o taxista aconselhou-nos a dar uma gorjeta á senhora, assim o fizemos.
Aquela “casa” localizava-se na ponta do bairro, o taxista disse que não arriscava a ir muito para o centro, pois uma vez que era uma ocupação ilegal também se abrigavam ali muitos foragidos da polícia por diversos crimes, o que tornava o local perigoso.
A cidade dos mortos, é um enorme bairro de lata (feito em alvenaria), alojado num cemitério.
Cidade dos mortos é um termo altamente metafórico, os mortos a que se refere não são os cadáveres já enterrados, mas sim aquele milhão de pessoas que lá reside e está “morta” socialmente, está “morta” a esperança de melhoria de qualidade de vida com que tanto sonharam.
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Cairo – A cidade que nunca dorme
Esta nossa viagem ao Egipto foi noutro tempo, em 2009, antes da primavera Árabe, todos os relatos que são efetuados têm que ser contextualizados, podem estar um pouco desatualizados em certas situações.
Nós sabíamos que esta era a maior cidade do mundo árabe, tem cerca de 9 milhões de habitantes (quase a população portuguesa toda), e a sua área metropolitana cerca de 25 000 000.
A nossa expectativa era muito alta.
É o 15º Pais mais populoso do mundo, mas a sua grande característica é a densidade populacional, os habitantes concentram-se em volta do Rio Nilo e nos centros urbanos. Portanto, Grande Confusão!
Só quatro dias na capital, não é nada para este panorama, tínhamos que correr para sentir a cultura, um bocadinho que fosse.
Ao chegar de Luxor, fomos de transfere para o nosso hotel de 4 estrelas já incluído no pacote (que remédio), gosto mais de viajar de forma independente, mas foi a oportunidade.
Já cheguei ao Cairo combalida, com uma diarreia, tive o máximo cuidado no cruzeiro, mas esqueci-me da salada, e foi no que deu. Já vinha a tomar UL-250 e Imodium, mesmo assim não estava bem.
Mal chegamos ao hotel, larguei a mala e fui à farmácia que se localizava ao fundo da rua. Expliquei os sintomas, o farmacêutico brincou comigo dizendo que estava com o mal do Faraó.
Afinal estava com a Maldição do Faraó, que desgraça a minha! Mas o que é isso?
Ele estava a fazer alusão à lenda de que qualquer pessoa que viole a múmia de um faraó do Egito será atingida por uma praga, que a levará à morte. Esta crença surgiu no seculo XX, para afastar os saqueadores de tesouros das pirâmides.
Lá nos rimos e deu-me um remédio (era um antibacteriano, parece que a população local está resistente, mal os estrangeiros não) foi tiro e queda, nessa mesma noite, pronta para a aventura!
Fui descansar um pouco para o Hotel, estava debilitada, como dormi à tarde e recuperei logo, estava cheia de fome. Era uma da manhã, não tínhamos nada para comer, tentei dormir um pouco para esquecer a fome, virei-me para o lado.
O quarto de Hotel dava para a rua principal, só ouvíamos buzinadelas de carros, à uma da manhã? Resolvemo-nos vestir e ir até o átrio do hotel, falar com a receção, podia haver algo que se comesse.
Perguntamos se tinham room service. Não tinha, mas indicou-nos que ao fundo da rua haviam restaurantes e uma pizzaria, mas àquela hora? Disse-me que sim.
Mal saímos do hotel não poderíamos acreditar no que estávamos a ver, a rua estava cheia de pessoas a passear, calmamente, como se fosse de dia, famílias inteiras com carrinhos de bebes, de todas as idades, as lojas todas abertas.
Não eram só lojas de conveniência, eram sapatarias (cheias de gente e experimentar), de malas, roupa, absolutamente tudo.
E o trânsito? Parado, todos os carros a buzinar (como é que eu poderia conseguir dormir?), percebemos que a hora de ponta também era às duas da manhã.
Depois de andar quase uma hora, embasbacada a contemplar este cenário, resolvemos comprar uma pizza e levar para comer no hotel.
Hoje não sei se continua assim, uma vez que durante uns tempos foi imposto o recolher obrigatório.
Custei a adormecer, com a cabeça num rodopio, excitada para que chegasse o dia seguinte e com um pensamento persistente na minha cabeça.
O Cairo, afinal é que é a cidade que nunca dorme!
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